segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Leia a Integra da Entrevista sobre Lean no IOV cedida a jornalista Luciana Leitão

Essa é a íntegra da entrevista que concedi à Jornalista Luciana Leitão, para a Revista "Fornecedores Hospitalares", edição nº 178 de outubro de 2010, da p.30 à p.40. Na revista, apenas um trecho foi publicado. A matéria está muito interessante e ilustrativa sobre a mentalidade enxuta e seus primeiros passos no sistema de saúde brasileiro.

 

Questões

 

Jornalista: Como o "Instituto de Oncologia do Vale" conceitua 'produtividade'?

 

Carlos F. Pinto: Produtividade para nós significa "criar valor para o cliente e para a organização": como dois lados de uma mesma moeda (ou uma balança): tudo o que produzimos precisa criar valor para o cliente (no caso um paciente, ou uma operadora que contrata nossos serviços para seus clientes) e valor para nossa própria instituição, que é afinal o que nos sustenta. O equilíbrio dessa equação (ou balança) é o que determina para nós "produtividade", que é um termo que não usamos, usamos "criação de valor", do ponto de vista prático, queremos ser mais produtivos criando valor para nossos clientes de forma mais eficiente (aumentando então a "produtividade").

 

Jornalista: E qual a importância da produtividade para a instituição?

 

Carlos F. Pinto: "Criar valor de forma mais eficiente" (produtividade) é garantir um nível melhor de serviços dentro de um mesmo padrão de custo, ou ainda melhor,  aumentando o retorno financeiro relacionado ao serviço prestado. Todas as nossas iniciativas tem como foco melhorar a qualidade dos serviços prestados, aumentando a segurança e o "contato" com o cliente, normalmente ela acaba aumentando também a "eficiência" econômica do processo.

 

Jornalista: Há quanto tempo o Instituto implantou o sistema Lean de gerenciamento. Como e por que surgiu a idéia?

 

Carlos F. Pinto: Estamos trabalhando com a Mentalidade Enxuta desde 2008, quando nossos primeiros projetos de mapeamento foram executados. A mentalidade enxuta surgiu após nosso processo de certificação ONA nível 3 (de Excelência), quando identificamos um volume grande de retrabalho e reprocesso que nos parecia desnecessários, mas que, surgiram no processo de certificação. A mentalidade Lean é, fundamentalmente,  eliminar o desperdício e criar valor de forma contínua, e era exatamente isso que identificamos: muito desperdício em nossos processos que não agregavam valor ao cliente.

 


Jornalista: E por que a escolha do LEAN? O que mais chamou a atenção nesse tipo de proposta? PQ?

 

Carlos F. Pinto: Pelo princípio do conceito de eliminar desperdício e criar valor: essa idéia remete diretamente a o que significa valor para o cliente (seja paciente, cliente interno, fornecedor ou operadora do sistema de saúde). Quando buscamos respostas para essa pergunta, "o que é valor para o cliente?", somos capazes de rever a forma com que prestamos serviços buscando eliminar o desperdício que às vezes é imperceptível. O Institute of Medicine (IOM) e o Institute of Health Improvement (IHI) nos EUA afirmam que entre 30 e 50% de tudo o que é gasto com a saúde é desperdício, pura e simplesmente.

 

Jornalista: De quanto foi o investimento?

 

Carlos F. Pinto: Um dos grandes pilares da mentalidade enxuta é que é possível "crescer sem investir". De fato houve investimento em capacitação, que não teve impacto algum dentro do orçamento previsto para treinamento entre 2008 e 2010.

 

Jornalista: E em termos financeiros, já deu pra sentir o retorno desse investimento?

 

Carlos F. Pinto: Nosso planejamento estratégico para 2010 tem como meta um retorno superior a R$ 150.000,00 com os projetos abertos no que nós chamamos de ano 1 do planejamento (entre 2008 e 2009 Lean foi tratado como projetos isolados e em 2010 está sendo tratado como iniciativa da organização), já descontando o investimento em treinamento e capacitação externa.

Existem alguns ganhos não diretamente computáveis: entre 2008 e 2010 aumentamos em 15% nossa produção, aumentando apenas 4% nossa força de trabalho. Diversos novos serviços foram oferecidos aos nossos clientes sem que qualquer custo fosse agregado aos contratos. Os indicadores de satisfação dos clientes internos e externos estão estáveis ou em ascensão.

 

Jornalista: Qual a estrutura da equipe responsável pelo gerenciamento lean no hospital?

 

Carlos F. Pinto: A gestão da qualidade é responsável pela iniciativa, mas todos os líderes e gerentes respondem por projetos ou intervenções. Todos foram capacitados para gerenciar e administrar projetos de implantação lean. Como liderança, eu tomo parte direta em coordenar alguns projetos e todo o processo de alinhamento lean.

 

Jornalista: E qual o principal trabalho dessa equipe?

 

Carlos F. Pinto: Hoje trabalhamos em times multiprofissionais que – alinhados à estratégia da organização – se ocupam de projetos de implantação lean e relacionados a Acreditação Canadense. Temos continuamente 4 a 6 projetos abertos de melhoria contínua envolvendo os times, times de auditoria e um time de líderes que semanalmente discutem, propõem e debatem as iniciativas futuras e sustentam as atuais. 

 

Jornalista: Na PRÁTICA, como é realizado esse trabalho? (explique com detalhes).

 

Carlos F. Pinto: A mentalidade enxuta envolve diversas técnicas de administração e basicamente, solução de problemas que visem continuamente eliminar o desperdício e criar valor. A palavra chave aí é "continuamente". Isso envolve uma transformação cultural que leva anos para se estabilizar. Na prática, o time que lidera a implantação lean passa a maior parte do tempo discutindo solução de problemas e buscando uma melhor forma de prestar serviço, seja eliminando desperdício para o cliente ou criando mais valor. O foco é aumentar o tempo disponível dos profissionais para contato direto com o cliente – ação que entendemos ser plena de valor.

 

Jornalista: Quais os benefícios sentidos desde a implantação?

Carlos F. Pinto: Só para listar alguns: na farmácia economizamos mais de 1 hora de trabalho por dia para os farmacêuticos, tempo esse agora dedicado à assistência farmacêutica, para reconciliação medicamentosa e educação dos pacientes e familiares. Na assistência de enfermagem, diversos processos foram eliminados – AUMENTANDO A SEGURANÇA PARA O PACIENTE  - usando a combinação de mapas de fluxo de valor e HFMEA (ferramenta para análise do modo e efeito da falha na saúde). Inúmeros controles visuais foram implantados e muitos quilos de lixo foram eliminados do nosso dia-a-dia. Muitos atrasos e desperdícios durante o processo de consulta e atendimento médico foram eliminados, aumentando a capacidade produtiva e a eficiência no processo. A taxa de erro de cobrança de guia faturada caiu a zero; o tempo para processar uma guia caiu de 10 horas (dois dias) para 4 horas.

 

Jornalista: Dá para mensurá-los?

 

Carlos F. Pinto: A mentalidade enxuta é um pouco parecida com o seis-sigma nesse sentido: é preciso mensurar tudo, só medindo e analisando as informações é que seremos capazes de encontrar soluções relevantes. Às vezes contamos quantos passos um colaborador dá para executar uma tarefa... Uma das mais interessantes é a análise de Pareto: 20% de suas atividades respondem por 80% dos seus resultados; por outro lado, 80% dos seus problemas estão em apenas 20% do que você faz. Todos nossos resultados são mensurados e calculados para que os benefícios fiquem evidentes. Dentro do alinhamento estratégico desse ano assumimos que pretendíamos eliminar R$ 170.000,00 de desperdício. Para 2011 estamos desenvolvendo ferramentas mais eficientes para avaliar nossa iniciativa de implantação lean, focada não apenas na eliminação do desperdício, mas também na criação de valor. É uma curva de aprendizagem.

 

Jornalista: Como eram os processos do hospital (em termos operacionais ) ANTES da implantação do Lean Management e DEPOIS?

 

Carlos F. Pinto: Nós estamos no nosso chamado Ano 1, onde pretendemos estender a implantação para ao menos 1 processo dentro de cada setor. Não somos uma organização lean. Onde ele já foi implantado, as diferenças são notáveis, no contato com clientes externos – por exemplo – reduzimos drasticamente o processo de aprovação de guias com alguns contratos, em outros padronizamos pré aprovações que não dependem de contato telefônico/eletrônico.

 

Jornalista: Quais as principais mudanças sentidas na prática pela instituição?

 

Carlos F. Pinto: Passamos a perguntar " Por que?" para tudo que fazemos? "Por que faço isso? Por que faço assim?". É uma transformação cultural em processo, estamos muito distante de uma instituição com implantação lean madura.

 

Jornalista: Qual o maior desafio enfrentado pelo setor médico-hospitalar quando falamos em produtividade? Por que?

 

Carlos F. Pinto: É uma opinião pessoal, mas acho que o termo está "grávido" de significado. Usamos o termo "valor para o cliente e para a organização", como sendo "mais produtivos criando valor para nossos clientes de forma mais eficiente". Isso expressa exatamente o que pretendemos e nos afasta do conceito de "produção em massa" e da idéia de que nossos clientes são "produtos": são pessoas num momento de fragilidade, insegurança, sofrimento e dor; tornar nossa intervenção "mais rica em valor" é ser mais produtivo. Acho que quando damos uma compreensão mais específica ao conceito (que pode ser aplicado perfeitamente numa fábrica de automóveis ou fraldas), entendemos melhor nossa missão.

 

Jornalista: Dados de uma consultoria especializada em processos indica que, em determinado hospital, as enfermeiras gastam em média apenas 32% do tempo de trabalho e os médicos 41% realmente exercendo alguma atividade que agrega valor ao paciente. O restante envolve reuniões, documentações, caminhada – transporte, espera, informação – pesquisa e procura. No caso do Instituto de Oncologia do Vale, em relação às áreas operacionais, qual delas acaba dando mais desperdício ao hospital? Por que?

 

Carlos F. Pinto:  Identificamos diversos focos de desperdício onde nem se quer imaginávamos haver. Toda organização sabe onde está o seu maior problema: na recepção dos ambulatórios, no pronto socorro, na UTI. Na mentalidade enxuta é fácil começar – que foi o que fizemos – perguntamos: qual é o pior lugar daqui para o nosso cliente? Foi lá que começamos. O mapeamento da cadeia e do fluxo do valor eliminou desperdício em vários setores simultaneamente...

 

Jornalista: E como tudo isso está sendo solucionado?

 

Carlos F. Pinto: Aplicamos as ferramentas de forma sistemática, desdobrando a implantação através da organização.

 

Jornalista: A busca pela melhoria contínua exige uma mudança de comportamento e um envolvimento dos colaboradores muito grande. A aceitação deste novo processo no Instituto de Oncologia do Vale foi tranquila ou houve resistência?

 

Carlos F. Pinto: Sempre haverá resistência e aversão ao novo. Lean envolve também  respeitar profundamente as pessoas e criar valor também no trabalho. Apesar de alguma resistência inicial, após o 2º ou 3º projeto, as melhorias começaram a ficar mais evidentes e a adesão vem crescendo. É fundamental oferecer a todos ferramentas para trabalhar. Hoje mais da metade dos colaboradores do IOV tem algum nível de capacitação em lean.

É também importante reconhecer que existem técnicas muito eficientes de gerenciar mudanças, e elas foram muito úteis no IOV. Uma das primeiras e principais resistências é a idéia de que "enxugar" é mandar pessoal embora... isso contraria o princípio de "respeito pelas pessoas" e é catastrófico para qualquer implantação. É fundamental o comprometimento da alta liderança, não só participando mas entendendo profundamente o significado da "mentalidade enxuta", e garantindo que nenhuma demissão será motivada pela iniciativa (o que nós fizemos). 

 

Jornalista: Em relação à produtividade, que recado você daria aos gestores hospitalares?

 

Carlos F. Pinto: Pense em "agregar valor" e "eliminar desperdício", essas são sem dúvida as mais poderosas ferramentas de trabalho que já vi. Ao pensar em "aumentar a produtividade"; um gestor pode estar apenas eliminando valor ou aumentando o desperdício ou os dois ao mesmo tempo...e isso nós vemos acontecer com freqüência no sistema de saúde.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Pensar Enxuto Aumenta a Segurança do Paciente

Muitas pessoas entendem que o pensamento enxuto está focado na redução dos custos e – eventualmente – na redução da qualidade da prestação de serviços. Na verdade, é exatamente o contrário. A incorreta compreensão do que é o pensamento enxuto é uma grande barreira a sua disseminação.

 

Olhando para a segurança dos processos e os erros médicos:

Um erro médico não é provocado por um único indivíduo cometendo um único erro em determinada etapa do processo; na maioria das vezes, vários erros são necessários até que um evento adverso ou lesão afete o paciente.

 

Num processo com várias etapas – como uma prescrição de medicamentos para um paciente que tem de 40 a 60 etapas – as chances de erro são enormes. A Tabela abaixo mostra a probabilidade de sucesso em cada uma das etapas do processo. Se cada um dos 50 passos (de uma prescrição médica) tem UMA chance em 100 (1/100) de erro; ou seja, a probabilidade de sucesso é de 99%; a taxa esperada de sucesso para todas as 50 etapas é de APENAS 61%. Ou, mais claramente, o processo será concluído perfeitamente apenas 61% das vezes.

 

 

Chance de sucesso na execução dos processos:

Etapas

0,95

0,990

0,999

0,999999

1

0,95

0,990

0,999

0,9999

25

0,28

0,78

0,98

0,998

50

0,8

0,61

0,95

0,995

100

0,006

0,37

0,90

0,99

 

Existem pelo menos duas maneiras de aumentar a chance de sucesso: aumentando a confiabilidade do processo com mais controle (usando mais recursos e aumentando o custo do processo); ou eliminando etapas (economizando recursos e ainda assim aumentando a segurança).

Muitas vezes decidimos aumentar o controle do processo sem uma análise detalhada dos seus riscos e do que efetivamente promove o erro e aumenta o risco, aumentamos em mais 1 ou 2 etapas e mais ainda as chances de erro...